Trólebus & Veículos Elétricos Brasileiros:
Artigos & Entrevistas - Entrevista Adamo Bazani 30/07/2021
Hoje nossa conversa é com Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes, formado pela Universidade Metodista de São Paulo, com especialização em Economia pela Fipe/USP. Trabalhou entre 1.999 e 2.015 na Rádio CBN e atua em projetos especiais para comunicação em transportes. Editor-chefe do Diário do Transporte, é também membro do Movimento Respira São Paulo.
Confira mais detalhes da entrevista abaixo:

TB: Adamo muito obrigado por aceitar o convite. Como surgiu o interesse pelos sistemas de transporte?
AB: Meu interesse em transportes surgiu primeiramente como um hobby, afinal de contas gosto muito de ônibus. Eu morava em Santo André, no ABC Paulista, perto de um ponto final de ônibus da Viação Padroeira do Brasil no bairro Paraíso. Naquela época, assim como hoje, tinha muita zoação da molecada maior da rua com os menores, e eu tinha apenas quatro anos de idade na época. E os moleques vinham claro, tirar uma onda do pirralhinho aqui. Acontece que os motoristas dos ônibus sabiam as nossas rotinas e vinham me defender. Estes profissionais ainda têm essa característica, mesmo em capitais ou em regiões metropolitanas, de conhecer nossas rotinas e nossos familiares.
Pois bem, muitas vezes eles me colocavam até no banco do motorista, para me "distrair" da zoação da molecada. Foi quando nasceu minha admiração por este meio de transporte. Se um ônibus é grande pra um adulto imagine para uma criança.
Dois modelos de ônibus me marcaram muito, e minha grande satisfação
foi ter conseguido fazer miniaturas deles, por encomenda: o Marcopolo San Remo e o Caio Gabriela II.
Por volta dos meus cinco anos de idade eu fiz minha primeira "pegada de turno" de motorista sozinho. Claro que meu pais tinham confiança total nos motoristas, já que eles eram conhecidos da família, muitos até moravam no mesmo bairro ou próximos de nós: das 4:00 horas às 13:00 horas fiz o turno do motorista, com várias idas e voltas na linha. Naquela época tinham os modelos com o motor na frente, com aquele banquinho único na dianteira do ônibus, e eu brincava de que estava dirigindo o ônibus. Acho que boa parte das pessoas que gostam de ônibus já fez isso na vida, mesmo sem admitir.
Tem também o estímulo por parte de minha família: meu avô atuou no transporte ferroviário, inclusive ganhou um prêmio da Rede Ferroviária Federal em 1.956, ao evitar um trágico acidente. Ele era condutor dos trens do sistema funicular entre Santos e Jundiaí (vide reportagem "Paranapiacaba e um modesto herói da ferrovia", disponível em https://diariodotransporte.com.br/2019/03/10/historia-paranapiacaba-e-um-modesto-heroi-da-ferrovia/).
Por fim meu pai ainda quando solteiro sofreu um grave acidente de carro, que o desestimulou a dirigir, forçando-nos a utilizar os ônibus como meio de locomoção, tendo-os presente em todos os momentos com minha família. Pra visitar meu avô a gente pegava o Viação Padroeira no bairro Paraíso e descia no centro de Santo André no Colégio das Freiras, e aí pegava o Viação Alpina (que também tinha os Caio Gabriela) que ia até a casa dele, no bairro Jardim.
Eu por muitas vezes pedia ao meu pai que me levasse em visitas às garagens de ônibus ou nas rodoviárias. Lembro-me de uma vez quando vi um Chilebus no terminal rodoviário do Tietê, parecia que estava vendo algo de outro mundo.

Sr. Romão Justo Filho (em primeiro plano), avô de Adamo Bazani, no locobreque da Santos Jundiaí.
(https://diariodotransporte.com.br/2019/03/10/historia-paranapiacaba-e-um-modesto-heroi-da-ferrovia/)
Além das visitas pedia também ao meu pai revistas (como por exemplo a "Carga & Transporte"), além de miniaturas de ônibus de presente (muito caras naquela época, não que hoje sejam baratas). A primeira miniatura que eu ganhei com três anos de idade, que aliás tenho até hoje, era de um ônibus da Viação Cometa, já com a caidinha na frente, que simulava o CMA ou o Dino. Uma outra também que ganhei era de um ônibus da São Geraldo, que lembrava um O-364.
Uma coisa que eu gostava muito também, que me chamava muita atenção nos ônibus, era a roda raiada, que dava um status de robustez, tanto nos ônibus quanto nos caminhões. Hoje a gente sabe que existem soluções melhores pra resfriamento, manutenção, durabilidade etc. Mas é linda (em minha opinião obviamente). No "Diário do Transporte" chegamos a fazer uma reportagem sobre tais rodas (vide reportagem "Quem se lembra do charme das rodas raiadas?", disponível em https://diariodotransporte.com.br/2017/12/17/historia-quem-se-lembra-do-charme-das-rodas-raiadas/).

A roda raiada, muito utilizada nos caminhões e ônibus no Brasil no passado.
(Imagem da Internet)
TB: Houve uma época em que você tinha uma parceria com o Milton Jung para publicação de assuntos relacionados a ônibus e trólebus. Como foi isso?
AB: A parceria com o Milton surgiu de um fato muito triste: em 2.006 sofri um grave acidente de trânsito (quase fiquei tetraplégico) quando estava indo para o trabalho na Rádio CBN (fui vítima de um engavetamento na Avenida do Estado). Em consequência fiquei parado em casa praticamente dois anos, até que um dia o Milton Jung me ligou. Sempre fui muito dinâmico, estava sempre nas ruas cobrindo fatos e notícias (fui um dos primeiros repórteres a cobrir o caso Suzane Richthofen, do Gil Rugai e do Celso Daniel por exemplo).
Eu estava em casa lutando contra a cadeira de rodas, a depressão e a síndrome do pânico, quando o Milton me perguntou do que eu gostava: eu respondi que gostava e sabia muito falar sobre ônibus, contando a ele toda a história de minha infância (como relatado aqui nesta entrevista).
Eis então que ele teve a ideia de convidar os motoristas e cobradores de ônibus e trólebus mais antigos para que contassem como as cidades foram se desenvolvendo, mas pelo olhar deles: o surgimento de avenidas, de determinadas linhas de ônibus etc. E foi dando certo essa ideia, no Programa "CBN São Paulo Conte Sua História": os motoristas mais antigos foram convidando os mais novos, até que tomou-se um volume extra-história, com notícias recentes também, tanto que por volta de 2.007 o Milton acabou criando dentro de sua página o blog "Ponto de Ônibus" para mim, que foi o antecessor do "Diário do Transporte".
TB: Fale um pouco sobre o Diário do Transporte. Como surgiu a ideia desse portal?
AB: Como citei antes o "Diário do Transporte" surgiu a partir do blog "Ponto de Ônibus" Houve na época uma reestruturação da Rádio CBN, já que o sistema Globo de Rádio estava passando por uma dificuldade muito grande. Com a entrada de um novo coordenador de jornalismo regional optou-se por dispensar os jornalistas que tinham mais "tempo de casa". Fui mandado embora com 16 anos de trabalho na rádio, junto com demais colegas.
Como o blog estava com bastante repercussão e acessos eu optei por fazer uma cobertura de jornalismo online, com notícias a toda hora e factuais (em estilo hard news), por isso decidi transformar o blog em site. Nesse processo fiz uma parceria com o Renato Lobo (Portal Via Trólebus), que depois se afastou por conta de atuar na Secretaria de Transportes da cidade de São Paulo.
E o site foi crescendo, crescendo, e a gente viu que havia uma necessidade de informações desse tipo na área de transportes, mas com foco de mídia especializada, e acabou dando certo, espero que continue dando mais...
TB: Ainda sobre o Diário: como é o dia a dia, a busca pelas notícias?
AB: É uma rotina bastante comprometedora, cansativa por vezes, estimulante e não tem nada de hobby. Apesar de eu gostar de transporte, de mobilidade, de nossos modelos e marcas de ônibus, a gente tem que focar na informação seguindo o critério jornalístico de qualquer outra redação: isenção, objetividade e agilidade.
Todo dia já desde às cinco horas da manhã eu e o Alexandre Peleger - outro integrante da equipe - começamos a pesquisar diários oficiais, porque há várias pautas neles, e depois faço contato com fontes. Monitoramos também o que sai na mídia (não copiamos simplesmente a notícia). Infelizmente o Diário do Transporte é muito copiado sem crédito. O problema é desmerecer um trabalho: eu por exemplo fico das cinco da manhã até as dez horas da noite em cima disso não é? E pra vim qualquer um cortar, colar e colocar seu nome ou só tirar o nome da gente... Isso é muito comum nas redes sociais, páginas de Facebook e alguns bloguezinhos por aí.
Pois bem, o que a gente pega em captação de outras mídias, a gente não copia o texto. A gente checa, verifica com prefeituras, empresas, faz ligações, manda e-mails etc. Se é uma informação muito exclusiva e que a gente checa que é verdade, a gente dá por meio da nossa checagem, mas também dá crédito, que eu acho que não é nem questão de ser jornalista, é questão de ser honesto, não é? É o dia todo acompanhando movimentação de trens, de ônibus, principalmente a movimentação dos trilhos em São Paulo e mais recente no Rio de Janeiro, já que a SuperVia atualmente tem dado muitos problemas também.
O objetivo nessa rotina é pegar assuntos técnicos e prestar serviços para a população. O "Diário do Transporte" não é feito para o hobby. É claro que o busólogo pode acessar, o ferrofã pode acessar, vai ter matéria de mercado, de curiosidade, mas o foco é prestar serviços para a população e mostrar como anda o mercado de ônibus.
Então é essa a rotina, um trabalho muito sério porque o que for colocado no ar, mesmo que se conserte criou-se um impacto antes de consertar, não é? E quando eu falo em erro não é erro de digitação, de alguma vírgula - que isso a gente tenta minimizar - mas é erro de informação. Muitas vezes, é claro que a gente prima pra dar as informações em primeira mão, só que a gente não vai no embalo das redes sociais que posta só uma foto isolada, posta uma informação, que ouviu falar de não sei quem, que trabalha não sei aonde, sabe? A gente checa, mesmo que demore pra dar a notícia. É bom ser o primeiro, mas o que a gente quer é ser o correto, que as pessoas até saibam da notícia, mas acreditem nela quando lerem no "Diário do Transporte".
TB: Como surgiu a oportunidade de participar do Movimento Respira São Paulo? Fale um pouco de sua atuação neste grupo.
AB: A minha participação se dá por meio do compartilhamento de informações e notícias relacionadas ao setor. Devido ao meu trabalho infelizmente não tenho a disponibilidade para participar de debates ou reuniões, porém o Movimento sempre tem o apoio do "Diário do Transporte", inclusive na publicação de suas iniciativas e ações, fazendo com que cheguem à grande imprensa. Pra ser sincero gostaria de atuar de maneira mais ativa no grupo.

O "Diário do Transporte" sempre atuou em defesa do trólebus, apoiando e auxiliando o Movimento Respira São Paulo em seus trabalhos, ações e objetivos