Trólebus & Veículos Elétricos Brasileiros:
Artigos & Entrevistas - Entrevista Jorge Françozo de Moraes 28/05/2021
Neste mes de maio de 2.021 iniciamos oficiamente nossa rodada permanente de entrevistas com profissionais do setor de transporte elétrico no Brasil.
Pra abrir com chave de ouro convidamos Jorge Françozo de Moraes, pesquisador e historiador dos sistemas de trólebus no Brasil e no mundo. Jorge já trabalhou na CMTC e na Eletropaulo e atualmente é colaborador do Consórcio ViaAérea, empresa responsável pela manutenção da rede aérea dos trólebus de São Paulo. Membro atuante da UITP América Latina, coleciona em seu currículo dezenas de projetos e atuações relacionados à área de transportes públicos, além de ser um dos fundadores e atual presidente do Movimento Respira São Paulo.
Confira mais detalhes abaixo:
TB: Em primeiro lugar poderia nos apresentar um breve relato de sua experiência profissional com os trólebus no Brasil?
JFM: Em 1.979 quando começaram as notícias sobre a revitalização do Sistema de Trólebus na cidade de São Paulo, passei a enviar cartas à CMTC com desenhos de projetos de rede, detalhes de minhas pesquisas sobre a história e desenvolvimento dos trólebus e a vontade de trabalhar nesta empresa, para participar dos projetos de expansão de tal sistema. Depois de algumas entrevistas, finalmente ingressei na CMTC em setembro de 1.979 como auxiliar em projetos de rede.
O processo de expansão de tal sistema me trouxe uma enorme bagagem técnica, a qual passei a aplicar nesta e em outras atividades na manutenção e expansão do sistema desde então.
Em 1.983 eu e mais todo o contingente da CMTC responsável pela manutenção e operação da rede aérea dos trólebus fomos transferidos para a Eletropaulo, que era uma empresa estatal na época, onde permaneci até 2.006.
Acervo pessoal Jorge Françozo de Moraes.
Entre 2.011 e 2.014 participei de projetos de implantação da rede elétrica dos trólebus no Corredor ABD Paulista, entre os bairros de Piraporinha e Jabaquara, além da implantação da rede do VLT de Santos, na primeira fase, entre Barreiros e Porto.
Atualmente sou colaborador no Consórcio ViaAérea, empresa terceirizada pela SPtrans, responsável pela operação e manutenção da rede aérea.
TB: De onde surgiu a inspiração ou oportunidade de trabalhar nesse setor dos trólebus?
JFM: Comecei a me interessar pelos trólebus aos 10 anos quando foi inaugurada a linha do Tucuruvi, em agosto de 1.967, o bairro onde eu morava, na zona norte da cidade de São Paulo. A partir daí, a minha curiosidade aumentou muito e passei a fazer experimentos, construí um mini trólebus e passei a fazer pesquisas sobre a história e desenvolvimento dos trólebus no Brasil e no mundo.
Em uma das muitas cartas enviadas para a CMTC, solicitei uma visita à garagem Brás, única que abrigava os trólebus na época. Fui atendido e a minha primeira e inesquecível visita à garagem ocorreu em 1.973 quando, pela primeira vez, pude conferir de perto muitos detalhes sobre o funcionamento do sistema.
Mais tarde, no período de preparação dos projetos para a expansão do Sistema de Trólebus de São Paulo (já citado anteriormente) o meu grande interesse pelo assunto foi percebido pelos dirigentes da recém-criada Diretoria de Trólebus na CMTC, presidida por nada menos que o Dr. Adriano Murgel Branco e seu irmão Christiano Murgel Branco, integrantes do quadro da CMTC desde os primeiros anos de atuação. Portanto, tenho tudo a agradecer ao Dr. Adriano Branco que foi, por assim dizer, meu padrinho em meu ingresso na CMTC em 1.979.
Por fim em 1.980 quando me tornei correspondente da revista inglesa “Trolleybus Magazine” pude reunir entusiastas do mundo todo, com artigos e notícias sobre os trólebus no mundo, passando a enviar todos os acontecimentos ao longo das expansões e desativações dos sistemas de trólebus brasileiros, atividade que ainda exerço até hoje.
Em 1.974 Jorge construiu no quintal de sua casa um mini sistema de trólebus, com instalação da rede elétrica totalmente funcional, com desvios e isoladores (foto do início dos anos 1.980).
O mini trólebus encontra-se hoje no Museu da Breda Transportes, em São Bernardo do Campo/SP.
(Acervo pessoal Jorge Françozo de Moraes).
Uma das capas da revista “Trolleybus Magazine” de 1.985.
(Acervo pessoal Jorge Françozo de Moraes).
TB: Na sua opinião os trólebus perderão espaço frente à evolução do ônibus elétrico a baterias?
JFM: Provavelmente sim, pois as baterias continuam tendo um desenvolvimento exponencial. Em contrapartida, nos países mais conservadores com seus sistemas de trólebus e bondes, como na Suíça, Alemanha, França, Itália e República Checa, o sistema deverá ainda ser mantido por muitos anos à frente.
Acredito que na cidade de São Paulo, o sistema de trólebus está assegurado por pelo menos mais 8 anos já que um grande investimento foi feito na frota, que tem 15 anos de vida útil (no mínimo) e também na infraestrutura elétrica, cuja renovação de 168 km foi completada em dezembro de 2.020.
TB: É possível o trólebus e o ônibus elétrico coexistirem numa mesma cidade?
JFM: Sem dúvida! Os corredores de maior demanda devem ser operados por trólebus com baterias, articulados ou biarticulados e as linhas alimentadoras por ônibus a bateria de menor porte. A infraestrutura dos trólebus pode servir para carregar as baterias dos ônibus e dos trólebus com baterias, sem a necessidade da instalação de uma infraestrutura de energia muito concentrada na garagem e nos terminais.
TB: Quais as novas tecnologias para o trólebus?
JFM: Podemos citar primeiramente o motor de corrente alternada - já em uso nos nossos trólebus - em substituição aos antigos motores de corrente contínua. Estes apresentam um menor custo de aquisição frente à tecnologia anterior, pois são motores de produção industrial padrão e que praticamente não requerem manutenção.
A próxima inovação que poderia ser utilizada no Brasil consiste nos eixos especiais de tração que asseguram que as carrocerias tenham piso rebaixado também na área do eixo de tração. Existem basicamente duas configurações:
- o eixo rebaixado e com o diferencial deslocado para perto de uma das rodas (como o utilizado nos trólebus BUSSCAR da Metra e da Transvida de São Paulo). Nesta configuração, é possível que o piso fique rebaixado continuamente, com uma pequena redução da largura, nesse ponto;
- na segunda configuração o eixo possui dois motores independentes acoplados em cada um dos “cubos” das rodas. Essa configuração é a mais atual, em uso nos ônibus a baterias da empresa BYD por exemplo, dispensando o uso do eixo cardan, já que as próprias rodas possuem seus motores. Essa configuração já é usada em todos os modernos trólebus produzidos no mundo. Um desses dois novos modelos de eixos poderá ser usado nos novos trólebus que estão previstos para São Paulo e Metra para os próximos anos.
Não podemos nos esquecer das alavancas pneumáticas, que podem ser baixadas através do painel do motorista, sem a necessidade do mesmo sair de seu assento. Essa tecnologia possibilita também a função de se baixar as alavancas rapidamente quando ocorre o escape das mesmas da rede aérea, diminuindo a probabilidade de danos à fiação.
O uso do eixo de tração rebaixado e com o diferencial deslocado para um dos lados possibilita o uso da carroceria com piso baixo em toda a extensão do veículo. O motor elétrico, abaixo dos últimos bancos, à direita e sob o compartimento ao fundo, é conectado ao eixo por cardan.
(Foto: Jorge Françozo de Moraes).
Nesta outra configuração o eixo possui dois motores independentes acoplados em cada um dos “cubos” das rodas, dispensando o uso do eixo cardan, já que as próprias rodas possuem seus motores.
(Foto: Internet).
TB: O trólebus possui um custo de implantação alto por conta da instalação da rede aérea. Mesmo assim é vantajoso sobre o ônibus a bateria?
JFM: O custo da implantação da rede aérea não é tão significante assim, se levarmos em conta a vida útil de mais de vinte anos para a rede de contato e de 30 ou 40 anos para as subestações. O uso dos trólebus será mais vantajoso em corredores de alta demanda, com veículos de 18 ou 25 metros, onde existirão os investimentos para a construção dos corredores segregados, paradas, etc, justificando os custos da implantação da infraestrutura elétrica.
O investimento para a implantação dos ônibus a bateria também não é baixo pois requer a instalação das estações de recarga. Para uma frota pequena de ônibus de 12 metros padrão (50 veículos por exemplo) os investimentos serão razoáveis, pois será necessária uma subestação de potência de 2.000 kW na garagem. Já para as frotas mais numerosas e com ônibus maiores, as subestações, em pontos concentrados, terão uma potência muito alta e, consequentemente, investimentos consideravelmente altos.
TB: Em sua opinião o trólebus será mais bem aproveitado no futuro?
JFM: Como comentado acima os trólebus biarticulados poderão ser usados nos futuros corredores de média capacidade projetados, em lugar onde se cogita usar os VLTs.
O custo de um corredor de VLT é muito alto se comparado ao trólebus, pois requer a implantação da complexa via permanente, além do fato de que os veículos são importados e consequentemente muito caros. Dois trólebus de 25 metros terão a mesma capacidade de uma composição de VLT com 40 metros, por exemplo, portanto, com a mesma capacidade, mas o custo de implantação do sistema, como um todo, será cerca de 35% menor e com tecnologia nacional.
Se levarmos em conta somente o material rodante, tomando como base a fase 1 do projeto do VLT da EMTU em Santos/SP, o custo de aquisição dos trólebus biarticulados em lugar dos trens importados do VLTs iria diminuir em cerca de 70%. Isso sem falar que os trólebus teriam muito mais flexibilidade do que os VLTs, os quais ficam confinados na via permanente.
Aspecto do Corredor do VLT em Santos/SP com via permanente.
(Foto: Jorge Françozo de Moraes).
Composição do VLT de Santos/SP - mesma capacidade de dois trólebus biarticulados.
(Foto: Internet).
Corredor de trólebus com pavimento rígido, que permite a operação com mais flexibilidade.
(Foto: Jorge Françozo de Moraes).
Exemplo de trólebus biarticulado de produção nacional.
(Foto: Jorge Françozo de Moraes).
TB: Incentivos na tarifa de energia poderiam ressuscitar o trólebus, como ocorrido no início da década de 1.980? Nossa indústria estaria preparada para tal?
JFM: A diminuição do custo de energia da tração elétrica para trólebus, metrô e trens iria beneficiar uma grande quantidade de usuário destes sistemas. Sem dúvida iria facilitar a implantação de novos corredores eletrificados. Seria uma revolução em nosso sistema de transporte de passageiros.
A indústria nacional tem plena condição de atender a demanda de novos ônibus elétricos. Nossas carrocerias e chassis já possuem as características mais recentes, na configuração de piso baixo; as empresas ELETRA e WEG já produzem equipamentos elétricos e motores de corrente alternada com tecnologia atualizada, e da mesma forma temos fabricantes de todos os componentes das subestações retificadoras modernas e sistemas de supervisão.
TB: Pra encerrar, fale um pouco pra nós do Respira São Paulo: como surgiu a ideia do movimento e quais suas principais atuações?
JFM: Essa entidade foi fundada em 2.004 quando ocorreu a redução monumental de cerca de 40% do sistema trólebus da cidade de São Paulo, na gestão de Marta Suplicy.
O objetivo inicial do movimento era frear a desativação e promover o desenvolvimento e expansão de tal sistema. Tivemos sorte, contando com o apoio da Secretária do Verde e Meio Ambiente, na pessoa do secretário sr. Eduardo Jorge. Na época as cláusulas da lei de Mudanças Climáticas de 2.009 estavam sendo preparadas e com a nossa participação a tração elétrica ganhou destaque como uma das soluções propostas. Inclusive, Eduardo Jorge enaltecia o Sistema Trólebus em suas entrevistas.
Com a nossa incansável atuação ao longo dos anos, podemos citar como uma de nossas recentes conquistas a renovação da frota de trólebus da Ambiental Transportes entre 2.009 e 2.013. Desta vez, na segunda gestão do prefeito sr. Gilberto Kassab, tivemos o apoio do Secretário sr. Marcelo Cardinale Branco, sobrinho do nosso querido e importante Dr. Adriano Branco, que já tinha a opinião favorável aos trólebus e que levou em conta os nossos argumentos apresentados em nossas propostas para manter e desenvolver o Sistema Trólebus na cidade.
Nossa luta agora é manter e desenvolver o Sistema de Trólebus Paulistano na gestão do novo contrato de concessão das empresas de transporte de passageiros da cidade, que prevê a compra de cerca 40 trólebus novos e a continuidade da operação.
Links relacionados:
- Canal Youtube "Mobilidade Elétrica-JFM": vídeos históricos de autoria de Jorge Françozo de Moraes:
https://www.youtube.com/channel/UC6EVg_5hbEO8PEBOTxHK5nw/featured
- Revista "Trolleybus Magazine":
https://www.nationaltrolleybusassociation.org/magazine.html
- Movimento Respira São Paulo:
http://www.respirasaopaulo.com.br/
- Linkedin Jorge Françozo de Moraes
https://www.linkedin.com/in/jorge-françozo-de-moraes-769880b2